sábado, 20 de fevereiro de 2010

Historietas Assombradas

-Vovó, me conta uma história? Mas tem que ser uma bem arrepiante!
-Tem certeza? Responde a avó.
Assim começa Historietas Assombradas (para crianças malcriadas) de Victor Hugo Borges. 
O curta conta três histórias inspiradas em lendas do folclore brasileiro: Boitatá, Corpo-Seco e Jurupari, usando técnica mista de animação: stop-motion e animação 3D.
Vemos no início do filme um quarto de criança iluminado por um lampião, localizado atrás da avó, que sentada numa cadeira de balanço inicia a leitura da história, criando o ambiente propício à narração. Tudo é fantástico e fantasmagórico; o jogo de poder é estabelecido pelo confronto da neta que provoca a velha para adentrar no universo mágico do medo. E a atriz Mirian Muniz, que faleceu em 2004, com uma voz deliciosamente rouca, dá o tom exato para que a narrativa atinja seu objetivo, mas não perca seu caráter lúdico.
As histórias vão provocando um medo gradativo, bem observado pela criança, que ao terminar o Boitatá diz que não está assustada, pedindo que a narração continue. Chega a vez do Corpo-Seco, e a avó ainda ameaça: ”-Isso é pra você ver o que acontece com uma criança mimada!”. Nesse conto, o menino Ananias é tão mau que nem seu coração quer habitar o próprio corpo - suscitando no espectador uma interessante idéia de morte. Depois de barbarizar a todos, o menino morto-vivo se sente sozinho, recupera seu coração e volta para viver com a mãe. Ao final da história, a netinha pergunta: “-Como aquela mãe aceitou de volta um filho tão mau?”, e a sábia avó lembra que as mães sempre perdoam seus filhos.
Por fim chega a terceira história, e a avó narra a “pior de todas”, o Jurupari. Começa perguntando à netinha se está ouvindo algo; a menina arregala os olhos, olha em volta, e diz que não. Começa então a história da menina Filomena, que inferniza a babá com seus assovios, que é também uma maneira de chamar o Jurupari. O monstro vem e apavorada Filomena acaba adormecendo para se livrar do medo.
Acontece que a netinha apesar de assustada pelo medinho bom quer mais e a avó perde a paciência e também começa a assoviar trazendo o Jurupari para o quarto. E finalmente a neta assustada e a avó cansada dormem profundamente. Ao final ouve-se um acalanto cantado pela avó que mostra o amor pela sua netinha: “Meu morango... teus olhinhos me derrete o coração.”
Existe uma moral em cada uma das histórias que acaba se dissipando pelas interferências divertidas, irônicas ou sérias da avó. Nesse jogo a neta vai aprendendo das coisas da vida e da morte, que em última analise é para o que servem os contos.
A ordem das histórias é muito inteligente e mostra a seqüência de uma narração bem feita, permitindo que o imaginário vá abrindo suas comportas devagarzinho e que a pequena ouvinte se entregue. Pausas perfeitas e suspense nas interferências em relação à neta ou na própria história são reforçadas pela trilha sonora e dão um colorido especial ao curta, permitindo que toda a atmosfera das cenas saia da tela e se construa no imaginário do espectador.
É interessante notar que a terceira história, o Jurupari, tem como personagem uma menina, e assim a netinha faz uma transferência, passando a viver o medo, pois as crianças adoram se sentir como protagonistas dos contos que ouvem, como uma forma inconsciente de exorcizar medos reais através de medos fictícios, que servem para aprofundar o processo de amadurecimento pessoal, já que estão em jogo as emoções básicas do ser humano.
Veja o filme em http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=3297# 

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